segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Chaves convida à leitura


 
Os flavienses amantes da literatura e da cultura têm podido assistir, na Biblioteca Municipal, à apresentação de diversas obras, predominantemente de autores do concelho ou da região, mas também de outros recantos deste nosso Portugal, tornando, desta forma, este belo edifício numa referência incontornável no nosso panorama literário e cultural.
Recentemente, no dia sete de setembro, foi apresentado o livro Memórias de Céu e Inferno, de António Passos Coelho, cuja ação decorre maioritariamente na cidade de Chaves, sendo referidas frequentemente localidades próximas como Pedras Salgadas, Vidago, Montalegre, Valpaços, Vila Real, Régua, Pinhão, entre outras. Através da personagem principal, José Silvestre dos Anjos, pode o leitor (re)conhecer alguns aspetos desta cidade e região, desde a linha do Corgo e suas estações, às termas, hotéis, ruas centrais, gastronomia, atividade económica, imprensa, hábitos e costumes, tradições…
Chaves foi a cidade onde Silvestre se fez homem, descobriu o amor e a verdadeira felicidade, daí que seja conotada com o céu:
“… Completamente alheio à tragédia que assolava a Europa, com a avalanche militar nazi subjugando a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo e parte da França, […], e repercutindo-se gravemente no nosso país em dificuldades económicas que nos impunham graves restrições alimentares, eu era feliz em Chaves. Vivia feliz na simpática, bonita, acolhedora, farta cidade fronteiriça flaviense. Vivia no céu!”, confessa Silvestre na página 116.
Chegando a Chaves na fase da adolescência, Silvestre apenas sabia que “Ia para casa de um senhor proprietário de uma firma comercial em Chaves. Como empregado. […]. Como em Chaves havia escola comercial e industrial, talvez fosse possível frequentá-la”, lemos na página 70.
Outras referências surpreendem o leitor, demonstrando que o autor da obra é bom conhecedor destas paragens no contexto sócio-político de meados do século XX. Eis alguns exemplos:
            - “Uma sorte … havia de colocar-me no regimento de infantaria de Chaves” (p. 183);
            - “A população [de Vila Real] era cordial e simpática, de resto como a de Chaves” (p. 198);
            - “Passei a ser a pessoa mais conhecida de Chaves. Isto é, mais falada. Sobretudo depois de o Notícias de Chaves transmitir a novidade” (p. 118);
            - “O Notícias de Chaves, na coluna Sociedade, publicou o evento” (p. 208);
            - “Em Chaves não deviam ser os mesmos santos, portanto não era justo responsabilizá-los pelas desgraças que me aconteceram. […] A quem ia eu rezar na igreja, ou capela, ou lá o que era, de Chaves? Havia a grande festa dos Santos. Se calhar o padroeiro ou padroeiros dos flavienses (só mais tarde soube que os habitantes de Chaves se chamavam flavienses) eram os santos todos da corte celeste.” (p. 87);
            - “em casa, entretinha-se com o Comércio do Porto e o Notícias de Chaves” (p. 219);
            - “Os de Chaves, após a refeição de normal menu da casa, foram cuidar de transporte para a Figueira da Foz, onde tencionavam demorar uns dias” (p. 214);
            - “Felizmente, em Chaves, as meretrizes não trabalhavam na via pública e não constava haver homossexuais, pelo menos assumidos” (p. 267);
            - “[…] o seu único irmão, há pouco falecido em Vilarandelo […]. Casou-se aos 34 anos com a Céu, que conhecera num baile de passagem de ano, no Palace Hotel de Vidago” (p. 219);
            - “…és o gajo mais sortudo que imaginar se pode. […] Por este andar não me admira que te tornes o dono das nossas termas, das águas das Pedras Salgadas e do Vidago, sei lá, de Chaves inteira!” (p. 209);
            - “Numa comemoração do dia da unidade de Chaves, um camarada oficial superior avisou-o [ao pai de Céu], muito sigilosamente, de que tinha notícias preocupantes acerca dele, major. Aconselhava-o a retirar-se por uns tempos para o estrangeiro, logo que lhe fosse possível, até que as coisas amainassem a seu respeito. A fronteira estava ali a dois passos, saltasse para o outro lado e de lá para França. A cumplicidade dos regimes salazarista e franquista não garantia segurança no país vizinho.” (p. 220);
            - “Descrevi o importante da estadia em Chaves, numa família com filha única” (p. 128);
            - “lembrei que pensava comprar uma moto, mas não as havia à venda em Chaves”. (p. 129);
            - “A consoada desse ano […] as habituais preparações culinárias: açorda de pescada de Vigo, bacalhau graúdo cozido com a saborosa batata de Montalegre e couve tronchuda da Veiga de Chaves, regados pelo odorífero azeite de Valpaços […]” (p. 157);
            - “Nesse sábado de tarde tratei de arranjar pensão. Na primeira que visitei faziam preço razoável, mas avisaram-me que de Maio a Outubro me custaria mais, devido à procura pelos frequentadores das termas. Na segunda não me falaram em subida sazonal da mesada, que era aceitável” (p. 165);
            - “No café […] águas (engarrafada natural, das Pedras Salgadas, do Vidago e de Carvalhelhos, […] fatias de bola de carne e pastéis de Chaves” (169).
Muitas outras referências se encontram nesta obra onde a reconstituição de uma época histórica difícil, de perseguições, fome, medo e incertezas se alia à recriação dos sentimentos mais puros e à descoberta do bem mais precioso: o amor.
Uma obra que vale a pena ler porque revela o mais sublime e o mais grotesco que a humanidade consegue atingir.
 

Manuela Tender

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